terça-feira, 7 de outubro de 2014

As afinidades electivas - J. W. Goethe

As afinidades electivas, de J.W. Goethe (Relógio d'água)
Título original:  Die Wahlverwandtschaften
Ano: 1809
Tradução para a Língua Portuguesa: Maria Assunção Pinto Correia 

Sinopse:
As Afinidades Electivas é um romance que prefigura, logo que chega ao espaço público do seu tempo, em 1810, o romance do futuro, de Flaubert e Stendhal a Fontane e Thomas Mann. Internamente, a prefiguração simbólica será também um dos seus mais conseguidos recursos estruturais, numa constelação em que os destinos cruzados das personagens revelam um interesse novo pelos meandros mais profundos da alma humana e pelos mecanismos da paixão, criando efeitos verdadeiramente surpreendentes. A genialidade deste romance parece estar nessa desconcertante inversão permanente do(s) sentido(s), na quebra constante de todas as expectativas do leitor e do género romanesco, acumulando e cultivando, capítulo a capítulo, contradições e ironias, num processo comunicativo novo. Pode bem dizer-se que o fio condutor de "As Afinidades Electivas" é uma constelação melancólica que a cada página nos faz deparar com motivos da disposição da alma saturnina. Na oposição entre a presença de forças míticas obscuras e o mundo, mais maravilhoso e frívolo que mítico, da "féerie" do canto do cisno da sociedade aristocrática, viu Walter Benjamin a chave deste romance de Goethe.

 É sempre ingrato criticar ou comentar alguém que admiramos, ainda para mais aquele que é por muitos considerado o  pai do conhecimento europeu. Felizmente a sinopse que acompanha esta edição da Relógio d'água traz já suficientes críticas (e melhores do que eu seria capaz), pelo que me resta apresentar por alto o enredo deste livro. Antes disso queria acrescentar apenas que estas Afinidades electivas são o segundo livro que leio do autor, depois de Werther, que ainda não foi comentado aqui no blog apenas por se tratar de um livro que me é muito querido, de forma a que os comentários sobre ele seriam tudo menos imparciais. Encontro-me de momento a ler o terceiro livro de Goethe, Os anos de aprendizagem de Wilhem Meister, e se o faço é porque os dois anteriores me deixaram uma impressão muito positiva relativamente à escrita de Goethe que, por ser um gigante da cultura ocidental, parece assustar quem me encontra a ler as suas obras, por pensarem que se trata de matérias eruditas e complicadas, o que não é o caso.
Agora relativamente ao enredo do livro, é difícil explicá-lo sem revelar informações que possam estragar a surpresa da leitura, por isso terei de fazê-lo em contornos um pouco gerais.
Eduard e Charlotte são um casal aristocrata que vive numa vasta propriedade onde passam o tempo, entre outras coisas, sobretudo a arranjarem o espaço exterior da mansão de forma a torná-lo no seu ideal de jardim. De facto, o espaço exterior da mansão, os seu lagos, capelas, casas escondidas, são como uma personagem simbólica do romance que não deve ser ignorada. Porém, a tranquilidade da ocupação do casal é de repente comprometida quando duas visitas, o Capitão e Ottilie, a sobrinha de Charlotte, se envolvem em laços de aproximação com o casal anfitrião. Desde a chegada dos dois visitantes, a vida dos quatro nunca mais voltará a ser a mesma.
Como não consigo ser imparcial para avaliar Goethe, gostava apenar de sugerir aos nossos leitores que se dêem ao prazer de poder ler alguma obra romântica sua, porque logo descobrirão que a erudição de Goethe não interfere na clareza com que expõe os seus temas, fazendo com que não sejam livros pesados e chatos, mas romances belos que revelam uma consciência e sabedoria transversal a várias matérias.


terça-feira, 23 de setembro de 2014

A mulher certa - Sándor Márai

A mulher certa, de Sándor Márai (D. Quixote)
Título original: Az Igazi Judit...és az utóhang
Ano: 1980
Tradução para a Língua Portuguesa: Ernesto Rodrigues

Sinopse:
Em Budapeste uma mulher conta a uma amiga como descobriu o adultério do seu marido. Por outro lado, um homem confessa a um amigo como abandonou a sua mulher por outra, e uma terceira mulher revela ao seu amante como se casou com um homem endinheirado para sair da pobreza.
Três vozes, três pontos de vista, três sensibilidades diferentes desvendam uma história de paixão, mentiras e crueldade.

Neste livro observamos, com uma profundidade própria da escrita de Márai, os pontos de vista de três personagens envolvidas num triângulo amoroso. Por um lado temos Marika, que conta a uma amiga como, por acidente, descobriu um dia que o marido estava entregue de corpo e alma à paixão por uma outra mulher. Por seu lado, Peter, ex-marido de Marika, explica a um seu amigo como deixou a sua esposa para se casar com a mulher que desejava há anos. No final, vemos o ponto de vista de Judit, que conta ao seu novo amante como casou com um homem rico para sair da sua situação social, casamento esse que ruiu ao deparar-se com o ressentimento e vingança.
Um a um, vamos descortinando os pontos de vista das três personagens centrais da obra, ficando com a impressão que, no caso deste adultério, as vítimas não são vítimas e os culpados não existem.
A mulher certa é para mim, a par de As velas ardem até ao fim, o melhor, mais sábio e profundo romance de Sándor Márai. Nota-se nesta obra a mestria do autor não só em criar uma história com um enredo verosímil, mas também na descrição dos espaços e da própria época e, acima de tudo, na profundidade e dimensionalidade das suas personagens. De facto, Márai é mestre em criar, dissecar e solucionar conflitos interiores nas personagens e é sobretudo disso que este romance trata. A paixão, o ciúme, a traição, a amizade, a solidão, o desejo, a vida, a morte e a busca incessante para se compreender as causas e efeitos do verdadeiro amor, são temas já comuns nas obras do autor húngaro, que Márai volta a tratar com uma delicadeza íntima e um sentido estético muito seu característico.

Escrita: 10/10
História: 9/10
Ligação do leitor às personagens: 1010
Geral: 9,5/10

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

A morte de Ivan Ilitch - Lev Tolstoi

 A morte de Ivan Ilitch, de Lev Tolstoi (Leya)
Título original: Смерть Ивана Ильича (Smert' Ivana Ilyicha)
Ano: 1886
Tradução para a Língua Portuguesa: António Pescada

 Sinopse:
 Aclamada como uma das maiores obras-primas sobre a temática da morte, esta é a história de Ilitch, um juiz respeitado que, apercebendo-se da morte próxima, se interroga sobre as suas escolhas, percurso de vida e a mentira em que vive.

Diz ainda António Lobo Antunes sobre este livro:
"Este livro tão breve, uma das maiores obra-primas do espírito humano, tem sido, desde a sua publicação, um motivo de controvérsia para a crítica: trata-se de uma obra sobre a morte ou de uma obra que nega a morte?"

Neste pequeno romance seguimos a vida de Ivan Ilitch, um juíz que durante toda a sua vida seguiu o jogo das aparências, quer no seu trabalho como no seu casamento e relações sociais. É, de facto, por este o motivo que, ao vêr-se às portas da morte, é abandonado à sua dor nos últimos meses da sua doença.
Ilitch vê assim que, para os outros, a sua inevitável morte é vista como uma oportunidade de promoção profissional. Em segredo, amigos e colegas queixam-se do prolongamento da sua doença que só tarda em definir as novas posições sociais e profissionais. Todas as personagens à volta de Ilitch têm no seu âmago algum interesse material na sua morte ou, no caso de outras, na sua sobrevivência, mas sempre por interesses pessoais,  e nenhum sentimento de verdadeira compaixão é partilhado com ele.
Este é um livro sobre a morte, o sentido da vida, a solidão em que vivemos a maior parte dela, os pormenores quotidianos que definem o nosso destino, a doença, e a procura de felicidade.
A minha opinião sobre o romance, não conhecendo ainda outras obras de Tolstoi, é que se trata de um livro que, embora curto, tem uma quantidade razoável de sub-temas que o autor explora com mais consciência do que, na minha opinião, genialidade.
Uma comparação que faço, talvez erradamente, é com A confissão de Lúcio, de Sá-Carneiro, apenas pelo simples facto de ter lido estes dois livros na mesma altura. E achei este livro de Tolstoi menos genial, ou original, do que o de Sá-Carneiro, mas isso é apenas uma opinião pessoal que com certeza não será partilhada por todos, já que são ambos os livros diferentes tanto no tema como na forma de o abordar.


Escrita: 8/10
História: 7/10
Personagens: 7/10
Geral: 7/10


O homem que plantava árvores - Jean Giono


O homem que plantava árvores, de Jean Giono (Marcador)
Título original: L'Homme Qui Plantait Des Arbres
Ano: 1953
Tradução para a Língua Portuguesa: Manuel Oliveira

Sinopse:
Inspirado em acontecimentos verdadeiros, traduzido em diversas línguas e largamente difundido pelo mundo inteiro, O Homem Que Plantava Árvores é uma história inesquecível sobre o poder que o ser humano tem de influenciar o mundo à sua volta.
Narra a vida de um homem e o seu esforço solitário, constante e paciente, para fazer do sítio onde vive um lugar especial.
Com as suas próprias mãos e uma generosidade sem limites, desconsiderando o tamanho dos obstáculo, faz, do nada, surgir uma floresta inteira - com um ecossistema rico e sustentável.
É um livro admirável que nos mostra como um homem humilde e insignificante aos olhos da sociedade, a viver longe do mundo e usando apenas os seus próprios meios, consegue reflorestar sozinho uma das regiões mais inóspitas e áridas de França.
Continua a ser lido por milhares de leitores em todo o mundo e a servir-lhes de inspiração, transformando a sua relaão com a natureza e fazendo-os acreditar na sua própria força interior.

Eu, pessoalmente, considero O homem que plantava árvores um conto à frente do seu tempo. A preocupação ecológica e social de Giono faz com que este conto seja ainda actual, e de uma leitura tão agradável que pode ser lido em meia hora ou pouco mais. Para quem admira a obra de Saint-Exupéry, O Principezinho, encontrará neste O homem que plantava árvores algo em comum que é difícil explicar o quê. Talvez a inocência do conto, a forma sonhadora como é escrito, qualquer coisa que, tal como no O Principezinho, nos faz querer voltar a ler este conto ano após ano, encontrando de todas as vezes algo de novo.
A avaliação deste livro não pode ser comparada como outros por números, apenas recomendo vivamente por ser de leitura fácil e por nos fazer sentir qualquer coisa de infantil, de humilde e, ao mesmo tempo, uma vontade de mudar qualquer coisa em nós.


sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A ilha - Sándor Márai

A ilha, de Sándor Márai (D.Quixote)
Título original: A Sziget
Ano: 1934
Tradução para a Língua Portuguesa:
Piroska Felkai

Sinopse:
Se o professor Viktor Henrik Askenasi, viajando de Paris em direcção à Grécia, decide parar em Dubrovnik (na época ainda chamada Ragusa), é porque - tal como muitas personagens de Márai - tem ali um encontro com o destino. Porque é ali que poderá encontrar a resposta à pergunta que sempre o atormentou - e que o levou, alguns meses antes, a deixar a família,, os estudos e o ensino de grego antigo para ir viver com uma duvidosa bailarina russa. Situação banal, embora bastante «inconveniente», como consideram os seus amigos e colegas: um homem maduro que se apaixona por uma jovem atraente. Mas não: à turbulenta Eliz, como a todas as mulheres que conheceu, Askenasi não fez mais do que pedir a resposta que incessantemente tem procurado. Mas nem mesmo ela, com a sua sensualidade solar e o seu generoso despudor, foi capaz de lha dar: Eliz não era a meta, podia apenas mostrar-lhe o caminho.
Agora, chegado a um hotel de uma pequena estância balnear na costa da Dalmácia, Askenasi pretende recuperar da depressão em que se encontra, e foge tanto da amante que acabou de abandonar, como da esposa, da filha, dos amigos e do trabalho. Foge sobretudo da pergunta que o atormenta: o que procuramos, e nos escapa constantemente, por trás da paixão, do desejo? Que vazio incompreensível aspiramos preencher através de cada acto das nossas vidas? Mas, depois de quatro dias agitados, durante os quais revive os passos do seu adultério, Askenasi toma uma decisão repentina e louca que irá fazer tremer as fundações da sua vida.

Pouco mais há a acrescentar a esta sinopse. A ilha, tal como grande parte da obra de Márai, é mais um romance interior, um estudo metafísico ou filosófico, sobre a procura da felicidade. A personagem de Askenasi, um homem que tem tanto de admirável como de reprovável, vive atormentado por uma constande dúvida que o assalta desde que tinha um casamento estável, e cuja resposta ele não encontrou nem no adultério.
O que é isto da paixão, onde encontramos felicidade, o que sabemos sobre o amor? Nesta obra, Sándor Márai, leva-nos às suas considerações sobre estes temas, através da personagem atormentada pela felicidade e o amor completos que não encontra em ninguém.
Depois de As Velas Ardem até ao Fim, que tenho como sendo a grande obra prima de Márai, considero este livro um dos melhores do autor, juntamente com A Mulher Certa e A Irmã.

Escrita: 9/10
História: 8/10
Personagens: 8/10
Geral: 8/10


 Outros livros do autor comentados em Capítulo Nosso:
As velas ardem até ao fim;
Rebeldes;
A herança de Eszter;

A irmã;

terça-feira, 16 de setembro de 2014

História de duas cidades - Charles Dickens

História de duas cidades, de Charles Dickens (Civilização editora)
Título original: A tale of two cities
Ano: 1859
Tradução para a Língua Portuguesa:
(?) não revelado na edição do livro

Sinopse:
Ao fim de dezoito anos de prisão na Bastilha como prisioneiro político, o envelhecido Dr. Manette é libertado e parte para a Inglaterra, onde volta a encontrar a filha. Aí, dois homens, Charles Darnay, um aristocrata francês exilado, e Sydney Carton, um advogado brilhante mas de má reputação, apaixonam-se por Lucie Manette. Das ruas pacíficas de Londres, são levados para a Paris do Reino do Terror, onde a sombra fatal da guilhotina abarca tudo e todos.

Como se precisasse de mim para o afirmar, Dickens é, sem dúvida, um dos maiores autores clássicos da nossa História, e este História de duas cidades só o vem a confirmar. O tempo da narrativa passa-se durante a época da revolução francesa, e, tirando talvez Victor Hugo, ninguém desmascara tão bem as injustiças e as condições sociais da época.
Apesar de ter achado o início um pouco confuso, assim que compreendemos a premissa da história, o livro todo ele devora-se capítulo após capítulo até ao seu estonteante e inesperado final. Dickens revela-se mais uma vez um génio na criação das suas personagens, na descrição das cenas, na trama em que os pequenos pormenores farão toda a diferença mais à frente, na reprodução daquela época histórica tão fascinante mas, ao mesmo tempo, tão cruel e desumana.
É um livro que recomendo vivamente, ainda mais por nunca ter ouvido falar nele antes de me ter cruzado com ele. É um daqueles livros que é impossível deixar-se a meio, e que quem o termina deseja nunca o ter lido para poder voltar a repetir a experiência.

Escrita: 9/10
História: 9/10
Personagens: 9/10
Geral: 9/10

O banqueiro anarquista - Fernando Pessoa

O banqueiro anarquista, de Fernando Pessoa (Antígona)
Ano: 1922

Sinopse:
O paradoxo do próprio nome deste pequeno livro de Fernando Pessoa mostra bem a discussão  que acontece nele. A história, se a há, é muito simples: Uma conversa entre dois homens, em que um deles, sendo banqueiro, se diz anarquista, e o outro que, como seria de esperar, duvida do anarquismo do seu interlocutor por este ser banqueiro, esse arauto do capitalismo. Durante esta discussão, Pessoa consegue justificar esta aparente contradição através do seu génio, utilizando uma profunda fundamentação e demonstrando um anarquismo diferente de todo aquele experimentado até hoje.
Nesta edição da Antígona, em vez de uma sinopse vem um excerto de um texto escrito pelo próprio Fernando Pessoa:
"Tão regrada, regular e organizada é a vida social portuguesa que mais parece que somos um exército do que uma nação de gente com existências individuais. Nunca o português tem uma acção sua, quebrando com o meio, virando as costas aos vizinhos. Age sempre em grupo, sente sempre em grupo, pensa sempre em grupo. Está sempre à espera dos outros para tudo.
Somos incapazes de revolta e de agitação. Quando fizemos uma "revolução" foi para implantar uma coisa igual ao que já estava. Manchámos essa revolução com a brandura com que tratámos os vencidos. E não nos resultou uma guerra civil, que nos despertasse; não nos resultou uma anarquia, uma perturbação das consciências. Ficámos miseravelmente os mesmos disciplinados que éramos.
Trabalhemos ao menos - nós, os novos - por perturbar as almas, por desorientar os espíritos. Cultivemos, em nós próprios, a desintegração mental como uma flor de preço. Construamos uma anarquia portuguesa."
Fernando Pessoa, O jornal, 8-4-195 (excertos)

A meu ver, para melhor se conhecer o génio de Fernando Pessoa, é preciso conhecer-se tão bem, ou melhor, as suas obras em prosa como a sua obra poética. É na prosa que Fernando Pessoa muitas vezes revela as suas orientações metafísicas (como no drama estático O Marinheiro), emocionais (como no Livro do Desassossego), ou sociais (como neste O Banqueiro Anarquista). Neste conto de raciocínio, como o próprio Fernando Pessoa o chama, o personagem principal defende que o verdadeiro e único mal na sociedade são as convenções, ou ficções sociais, desde o dinheiro, ao Estado, à religião e ao próprio conceito de família. Um a um, Fernando Pessoa vai desconstruindo com argumentos fundamentados os dogmas que ainda hoje temos da mesma maneira que a sociedade tinha na altura de Pessoa. Ao mesmo tempo, para além de criticar o estado social em que o país se encontra(va) e defender o anarquismo, o personagem principal levanta-se contra a forma de se fazer anarquismo, afirmando que essa corrente social nada tem a ver com os sindicatos e os bombistas, que "são o lixo do anarquismo, os fêmeas da grande doutrina libertária".
Sendo um conto de raciocínio e não própriamente um romance, avalio esta obra como obrigatória para uma consciência social.

Felizmente, é possível lê-lo online Aqui.


segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A confissão de Lúcio - Mário de Sá-Carneiro

A confissão de Lúcio, de Mário de Sá-Carneiro (Leya)
Ano: 1914

Sinopse:
De entre as novelas de Sá-Carneiro, A Confissão de Lúcio foi considerada por José Régio uma obra-prima, onde estão presentes três das suas obsessões: o suicídio, o amor e o anormal avançando até à loucura.
O livro conta a história de Lúcio que foi condenado a cumprir uma pena de dez anos de prisão pelo homicídio de seu amigo Ricardo de Loureiro. Após ter cumprido integralmente a pena, Lúcio confessa-se inocente e promete relatar toda a verdade, por mais inverosímil que possa parecer.

Este foi o livro que primeiro me deu a conhecer o génio de Mário de Sá-Carneiro. Sendo um impulsionador, juntamente com Fernando Pessoa, seu amigo íntimo, do primeiro movimento modernista em Portugal, podemos nesta sua obra observar a vanguarda literária em que Sá-Carneiro se encontrava, adoptando um estilo de escrita único cheio de interseccionismos. Neste livro, Lúcio é mais uma das personagens-tipo de Sá-Carneiro, um homem que se encontra entre a loucura e a sanidade e que se vê de repente colocado num triângulo amoroso com o seu melhor amigo Ricardo e a respectiva esposa, a misteriosa Marta. O desfecho é, como sempre em Sá-Carneiro, misterioso e sujeito a diferentes interpretações, mas que nem por isso deixa de resultar numa grande obra.
A avaliação deste livro pode ser influenciada pelo momento de paixão que estou a atravessar por Mário de Sá-Carneiro, tendo já lido entretanto outras obras suas cujo comentário espero em breve deixar aqui no Capítulo Nosso. Assim sendo, avalio o livro desta forma:

Escrita: 9/10
História: 8/10
Personagens: 9/10
Geral: 9/10

domingo, 14 de setembro de 2014

Sanderson e a escola de Oundle - Agostinho da Silva

Sanderson e a escola de Oundle, de Agostinho da Silva (Ulmeiro)
Ano: 1941

Sinopse:
"Todos eles aprenderam o contacto com Sanderson que a vida só é bela quando é uma empresa em benefício dos outros homens e do mundo, quando sai da rotina que esteriliza para os perigos da aventura intelectual ou da aventura de acção; e o ambiente em Oundle, toda a sua actividade, toda a sua admirável organização, todo o ímpeto espiritual que o animava lhes puseram, como a primeira das suas obrigações na vida, lutar para que os homens seus irmãos tenham a oficina, no campo, na escola, na vida pública, a mesma liberdade, os mesmos direitos e os mesmos deveres, os mesmos recursos e as mesmas perspectivas."

Este é um livro que todos os que se interessam pelo sistema educativo, sejam eles professores, directores, encarregados de educação, alunos ou ministros, deviam ler. Esta obra expõe a ideologia educativa do próprio Agostinho da Silva através da sua personagem principal, Sanderson, que se torna director de uma escola e, a partir daí, torna-a no seu ideal educacional: Uma escola em que a criatividade do aluno não é oprimida através de castigos e disciplina, em que as matérias não são conceitos rígidos e imutáveis, em que não há separação entre aluno e professor. O objectivo da escola de Oundle é formar pessoas que tenham uma missão, a sua missão, no mundo.
Através deste texto, Agostinho da Silva manifesta uma vez mais o seu pensamento avançado em relação à época que viveu, semeando na cabeça do leitor um sonho que ainda está por cumprir, mas que ele acredita ser realizável e, mais do que isso, inevitável.
Este livro, não sendo um romance mas mais uma espécie de ensaio sobre a educação, não será avaliado da mesma forma que os outros livros aqui no Capítulo Nosso.
A única avaliação a ser feita é que, sobre educação e novas formas de a fazer, este livro tem nota 9/10 ou 10/10.